MORADIA DIGITAL: EQUAÇÃO PARA ABRIGAR MULTIDÕES

Por Alexandre Lafer Frankel
Vice-presidente do Secovi-SP e CEO da Vitacon
O sonho de conquistar uma casa nos moldes antigos pode estar com os dias contados. Parece loucura, mas o fato é que, em um futuro muito próximo, a habitação será vista como um serviço (ou mais uma assinatura paga por mês junto com Netflix, Uber, Ifood, e tantos outros), e não mais como bem patrimonial. Eis o conceito da moradia digital.
Explico. O comportamento das pessoas está mudando em todas as esferas de consumo – transportes, filmes, músicas, roupas e até mesmo móveis. Hoje, todos esses itens são contratados sob demanda, ou seja, como serviço, sem a necessidade da posse do produto.Não poderia ser diferente com a habitação, que vive um dilema insolúvel de déficit global por diversas razões, dentre elas: falta de espaço.
Nesse cenário, as pessoas são forçadas a morar a grandes distâncias dos principais centros urbanos e comerciais, o que demanda horas diárias perdidas no trânsito, ou a pagar fortunas para morar em regiões estratégicas, opção quase nula para a maior parte da população. O fato é que em 2050, segundo a ONU, seremos 2,5 bilhões de habitantes a mais no mundo, sendo que 70% desse total estarão concentrados nas cidades. Isso faz do desenvolvimento urbano e habitacional um dos mais importantes desafios do século 21.
É aí que entra a grande sacadada moradia como serviço: qualidade de vida. Menos tempo gasto com locomoção significa mais tempo para viver bem e melhor. Mais tempo para a família, os amigos e, claro, para si próprio. Esses são itens fundamentais na vida dos millennials e da geração Z. E certamente das gerações que estão por vir.
Para isso, é preciso viabilizar opções de moradia de qualidade próxima do trabalho e dos polos de entretenimento e serviços da cidade, tendo como foco principal a facilidade de locomoção. Com tecnologia e inovação, é possível criar empreendimentos compactos e a preços acessíveis para atender essa demanda, como é o caso do conceito Multi Family, que vem ganhando força no Brasil.
O modelo consiste em disponibilizar unidades imobiliárias residenciais compactas apenas para aluguel e com um sistema de serviços de uso geral, como espaços de coworking, compartilhamento de bicicletas, carros, lavanderias, entre outros. As áreas comuns tornam-se extensões dos apartamentos, possibilitando a interação entre os demais moradores. O formato recupera o clima de vizinhança e é excelente para espantar a solidão tão característica das grandes metrópoles.
Em São Paulo, essa nova forma de viver está dando certo. Em 2018, mais de 20 mil apartamentos com menos de 45 m² foram lançados. Há seis anos, esse número correspondia a pouco mais de sete mil unidades e a participação nas vendas era de 8% do total. Hoje, os apartamentos com esse perfil representam mais de 50% das vendas totais na capital paulista.
Essa tendência caminha em conjunto com o abandono dos carros também pela geração dos millennials, que substituíram a posse dos automóveis por corridas particulares, bicicletas e patinetes que são cobrados por tempo de uso. A lógica da moradia como serviço é a mesma. Ter um lar pra chamar de seu de acordo com as diferentes etapas da vida adulta. É poder fazer a mochila e encontrar outro lar, mais perto do emprego novo ou da pós que acabou de começar.